Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, Tomo III, 1712
(Texto adaptado)
Payo de Pelles.A Festividade da Conceição de Maria Santíssima, é a que os moradores da terra devem solenizar com os maiores júbilos, e alegrias que forem possíveis à sua capacidade não só por ser ela Senhora em sua Conceição a perene fonte de todas as suas felicidades; mas porque sendo de crédito, e de gozo a toda a humana, e Angélica criatura, é a alegria dos homens; porque nesta festividade, ou na Conceição dela puríssima criatura, as reconhecerão; por isso disse Ruperto Abbade: Maria emisit omnia bona, quibas mundus impletur. É a alegria dos Anjos; porque tem na terra, quem lhes pareça em a pureza, e assim disse São Vicente Ferreira: Statim Angeli in Coelo fecerunt festum Consceptionis. E assim esta é a mais celebre, e a mais nobre de suas festividades, que em honra, e glória de Maria celebra o mundo, e faz grandes as mais festividades da Senhora. Célebre é o Nascimento da Virgem Maria, dia ditosíssimo para o mundo, porque nele recebeu as primícias de suas esperanças, e aquele em que fahio a esta luz, uma Filha adotiva de Deus, para Mãe natural, e verdadeira de seu unigénito Filho; mas essa festa se realça porque a que nasce nunca foi filha da ira, como nós fomos pela original culpa. Solene é a sua temporânea Presentação em o Santo Templo, pela rica, e inestimável oferta, que a Senhora fez de si mesma ao Rei da glúria. Porém não se pode negar, que é muito maior; porque o inferno não gozou das suas primícias, quando foi concebida. Digna verdadeiramente é de todo o aplauso a Anunciação de Maria, ação de grande humildade para o Divino Verbo, porque se viu desde então vestido da nossa humanidade; e singular para Maria, pois naquele ponto, ficou feita Mãe de Deus, que é o seu maior adorno; mas é certo, que maior aplauso merece, por haver chegado a ser Mãe, sem haver sido escrava do demónio. Santa foi a sua Visitação, na qual a ditosa Isabel a nomeou bendita entre todas as mulheres; mas é muito mais Santa, por se saber que em nenhum tempo teve parte na maldição da culpa. Alegre foi a sua Purificação ao mesmo passo que humilde, a cuja cerimonia se sujeitou, sem ser obrigada àquela lei; mas mais se enobrece, sem comparação, com a memória de sua original pureza pois de nenhuma purificação necessitava, a que foi em sua Conceição tão pura. E finalmente é muito extremadamente gloriosa a festividade da Assunção de Maria,e a sua subida aos Céus, pois pisando caminhos de Estrelas, passando por coros de Anjos, e adiantando-se a todas as hierarquias celestes, chegou a tomar assento à mão direita de seu Santíssimo Filho, para reinar eternamente, e triunfar no Império. Mas esse triunfo é muito mais glorioso, por ser de quem nunca foi vencida, antes no campo da batalha levantou o troféu da vitoria. E assim todas as festividades dela Senhora se realçam com a sua Conceição puríssima. Assim o ponderou o venerável Anjo da Paz, dizendo: Que autem festivitas buic preponenda e et exorta debitio. Que foi o mesmo que dizer, que nenhuma festividade pode competir com a grandeza desta, porque as mais só com a memoria dela se ilustram.
Junto à Villa de Punhete (nome derivado da pugna, e guerra, que o soberbo Zêzere faz ao caudaloso Tejo com as suas soberbas, e impetuosas correntes, e a quem os antigos por esta causa lhe chamarão Pugna Tagi ( de donde se derivou o nome de Punhete àquela Vila) se vê situada entre estes dois referidos rios a limitada Vila de Payo Pelles, com todo o seu termo, e destino ,e tão pouca cousa é, que dela se não conhece mais que o nome. Esta Vila pertence à
Jurisdição espiritual da Prelazia de Tomar, e antigamente se compreendia no termo daquela nobre Vila ,de cuja correição é ainda hoje. Não me confiou em que tempo os Reis enobreceram esta limitada povoação com o título de Vila. Podia bem ser, fosse El Rei Dom João o Terceiro; porque ele foi o que fez Vila o lugar das Pias, e feria para maior autoridade daquela Prelazia.
Fica esta Vila situada ao Sul da Vila de Tomar, em distancia de três léguas, em as ribeiras do Tejo , e pela mesma parte do Sul a divide uma ribeira , da Vila de Tancos.
A Paroquial Igreja desta Vila é dedicada ao mistério da Conceição imaculada de Maria Santíssima , e este titulo parece lhe foi dado modernamente; porque nos tempos antigos se intitulava aquela igreja, Santa Maria do Zêzere, e com este era buscada , e venerada aquela Senhora. É muito antiga esta Igreja, e se vê situada abaixo do castelo do Zêzere, que deu El Rei Dom Afonso Henriques aos Cavaleiros do Templo, em a mesma ocasião que lhes fez também doação do castelo de Ceres, hoje Ceras.
Deste castelo do Zêzere se vêm ainda hoje ruinas onde o Zêzere entra no Tejo , em a foz de Punhete, e fica esta Igreja da Senhora da Conceição entre este antigo castelo, e o de Almourol que edificou o Mestre do Templo , Dom Gualdim Paes. É esta Igreja muito pequena, e na sua fábrica, e arquitetura, se está mostrando a sua muita antiguidade. Nesta Igreja se vê colocada a devota, e antiga Imagem da Santa Maria do Zêzere, a quem hoje invocamos com o nome, e título de sua Conceição puríssima.
É de vulto e obrada em Madeira estofada, sua estatura é grande, etrá seis palmos, pouco mais ou menos.
Com esta soberana Imagem tiveram sempre aqueles moradores circunvizinhos muito grande devoção , e sem embargo de que ainda hoje lha tem, já a devoção de fé mais fria, e é menos o fervor com que a buscam, merecendo pela sua antiguidade, e pelas antigas memórias dos seus favores ser buscada com mais fervor. Antigamente era o presidio, e a proteção (como é sempre, porque esta Senhora nunca diminui o seu amor para connosco) daqueles contornos;
porque sempre a devoção antiga se diminui com a devoção moderna , se a Divina Providencia com as maravilhas , que costuma obrar, não aumenta o calor da fé, e da devoção, em os frios, e tíbios corações humanos. Tem esta Igreja da Senhora Vigário Freire da mesma Ordem de Cristo que é o Pároco daqueles moradores , que não devem ser muitos.