Nos tempos da idade média a fé cristã emanava no nosso território e construíam-se magníficos templos, que ainda hoje podemos apreciar, como é exemplo a Igreja da Golegã, a Igreja da Atalaia e o Convento de Cristo em Tomar.
Nas urbes e vilas circulavam pessoas e acolhiam-se viajantes, cruzados ou mercenários, homens de paz, artesãos e salteadores que calcorreavam a nação à procura do sustento material e espiritual.
Também na nossa região se cruzavam numerosos peregrinos recordando que a vida religiosa, o misticismo e a fé em Cristo eram valores de elevada grandeza no quotidiano do homem medieval.
Desde meados do século XIII que todos os caminhos tinham um denominador comum, a atracção ao túmulo do Apóstolo S. Tiago, em Compostela, Espanha. O fim era o cumprimento de promessas, remição dos pecados, conhecimento de outras terras ou simplesmente a singela curiosidade. Conta a história que depois da morte de Jesus o apóstolo São Tiago foi pregar para a Galiza, à data província do império romano. No seu regresso a Jerusalém veio a ser preso e depois decapitado. Todavia, dois de seus discípulos conseguiram recolher o corpo e, numa barca, trouxeram-no de volta para Compostela onde o sepultaram, secretamente, num denso bosque. Um ermitão, de nome Pelágio, presenciou uma queda de chuva de estrelas sobre esse preciso local. Então, o bispo Teodomiro ordenou que escavassem nesse lugar. Aí se descobriram os restos mortais do apóstolo Tiago. A novidade espalhou-se por toda a Europa e os cristãos iniciaram jornadas de fé que deram origem aos designados “caminhos de Santiago”. Compostela passou a ser o segundo oráculo mais importante para o cristianismo, a seguir à cidade santa de Jerusalém.
O designado caminho do sul de Santiago, com origem no Algarve, passa por Santarém, Golegã, Cardiga, Atalaia e segue para Tomar e Coimbra onde se cruza com outros caminhos. No nosso território, na era medieval, o caminho ou estrada era utilizado por gente simples, incógnita, santos, e reis como por exemplo o grande rei Filipe II que em 1580, vindo das Cortes de Tomar a caminho de Lisboa, descansou na Quinta da Cardiga. Aliás, tal caminho é referenciado muito antes, em 1302, por D. Dinis que na sua carta declara: “Dom Dinis per graça de Deus, Rey de Purtugal, e do Alguarve. A quamtos esta carta virem faço saber, …façam hy duas povoras … Ceiceira, e a outro lugar onde chamam Atallaya no caminho…”. Tal caminho, de importância estratégica territorial, pois ligava a Cardiga à sede da Ordem de Cristo, tinha uma ponte na Quinta da ponte da Pedra. A mesma é referenciada nos Tombos de 1504 da Quinta da Cardiga.
Também, Frére Claude de Bronseval, escrivão de Dom Edme de Saulieu, abade de Claraval, visitador das comunidades monásticas cistercienses, em meados do séc. XVI (1532-1533), conta-nos: “ … chegamos finalmente a uma grande vila chamada Atalaia. Tomamos uma refeição leve e saímos para pastar os cavalos que entraram num vale largo e longo, caminhámos para dois lugares por estrada plana, mas numa região com terrenos pouco cultivados…” (1). O caminho de peregrinação/estrada real era engrandecido com construções de apoio aos peregrinos como albergarias ou hospedarias e hospitais. Na Atalaia, pelos inquéritos paroquiais de 1758 sabemos que tinha “… casa de Misericórdia e anexo com Hospital (albergaria, local de abrigo e hospedagem), para os passageiros e Casa para todo o religioso que vai de passagem para poder pernoitar“. Também, a ermida da Nossa Senhora do Rocamadour, na Barquinha (2), era um pequeno espaço de liturgia e de meditação e albergue de peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela. A existência destas instituições “ … como expressão de caridade cristã, no exercício das obras de misericórdia, respondiam, de certo modo, aos ensinamentos do capítulo XI do livro V do Codex Calixtinus quanto à obrigação de acolher os peregrinos de S. Tiago, fossem eles ricos ou pobres” (3).
Apesar de já não ser possível percorrer o antigo caminho na sua totalidade - porque a construção de estradas e de habitações apagou alguns percursos - hoje ainda podemos ver caminheiros de Santiago que fazem basicamente o mesmo percurso medieval. Estas pequenas alterações não são impeditivas para que os crentes procurem, junto do túmulo de Santiago, lenitivo para a salvação das suas almas.
(1) Bronseval, Frére Claude, Peregrinatio Hispanica, 1531-1533, tomes I e II, Paris, 1970.
(2) A primeira referência à ermida data do reinado de D. Manuel e diz respeito à sua administração “…das capellas que se acharão na leitura D’Elrei D. Manuel”. Inventário dos Bens eclesiásticos pertencentes ao padroado real ordenado em Julho de 1573 por D. Sebastião. in Fontes Documentais Portuguesas III, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971
(3) Marques, José. Revista da Faculdade de Letras, História - Os Santos dos Caminhos Portugueses, 2006.